Reason: O seu teclado de palco

O outro olhar

originalmente publicado na Revista AM&T #221

 

Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.

Captou?

Parece pegadinha, mas não é. Não se trata tampouco de algum evento perigoso na África incluindo a minha pessoa e o meio de transporte local; leia a frase de novo, só que de trás para frente, enquanto eu espero aqui...

É um palíndromo. A primeira vista parece ser uma frase esquisita, mas com sentido caso eu estivesse mesmo em Marrocos e estivesse telefonando do celular, porém ela guarda um segredo: é a mesma quando lida de trás para frente. Somente com desprendimento poderíamos ler intuitivamente a frase ao contrário e percebê-lo.

Na arquitetura (minha formação) acontece um fenômeno similar interessante chamado de "olhar estrangeiro". A arquiteta Lina Bo Bardi, que é a projetista do MASP (aquele museu pendurado com pilares vermelhos na Avenida Paulista em São Paulo) e do SESC Pompéia, também em São Paulo, faz uma arquitetura incrivelmente brasileira, mas ela é Italiana. Esse olhar de fora fez com que ela capturasse a assência do nosso povo para traduzir em projetos belíssimos e verdadeiramente brasileiros.

Muitas coisas guardam segredos dentro de si e somente com o olhar atento é que podemos percebê-los. Às vezes temos que sair fora do circuito para desacostumar com o que está acontecendo e depois voltar para ter uma opinião mais certa ou descobrir novas frentes criativas - já vi muitos técnicos mixando assim.

O mercado induz a gente a fazer isso também. A cada novo produto lançado derrepente nosso olhar muda. A gente passa a ver a vida de um modo diferente e aquilo que tínhamos parece ficar obsoleto, contudo poucos produtos fazem isso de verdade; poucos realmente revolucionam o mercado.

O ponto onde quero chegar é que acredito que o mais importante é que podemos pegar um produto e transcender. Aquilo que acreditávamos que estava exaurido pode servir para uma nova frente criativa, ou se ajustar a outras tarefas as quais não são as primordiais. Esse é o outro olhar.

Vamos pegar o Reason da Propellerheads como exemplo:

Todo mundo sabe que ele é um software para produção musical envolvida com MIDI e tem lá a sua identidade, mas quem efetivamente leva o Reason ao palco junto com um teclado controlador e usa-o como teclado convencional? Será que as pessoas que compram teclados com cinco casas decimais sabem que podem ter mais recursos usando o Reason, um notebook, uma interface de áudio e um teclado controlador? Em qual quesito esse conjunto perde para o teclado convencional? Dificilmente perde em algum. Acredito que estamos diante de uma questão cultural que envolve a falta de desprendimento e uso do outro olhar. Estou falando do Reason, mas poderia ser o Total Workstation 2 da IK Multimedia, por exemplo, que traz mais de 15.000 sons de qualidade excelente. Nenhum teclado convencional tem tantos bancos de timbres, fora todo o processamento do computador que é muitas vezes superior ao de qualquer teclado moderno. 

Levar o Reason ao palco provavelmente não era a intenção do produto, e novamente quem o leva com certeza é muito grato. O bom desse setup é que você pode ainda aproveitar a interface de áudio para outras coisas, como um mixer virtual ou um processador em tempo real. Normalmente as interfaces de áudio surgiram com o propósito de serem a ponte entre o analógico e o digital para pessoas interessadas em gravações, mas com a baixa latência podemos tê-las como verdadeiros racks de efeitos em shows quando combinadas ao computador, portanto é outra visão surgindo.

Se você têm uma interface de áudio com vários canais e stá usando o Record da Propellerheads e o Reason ao mesmo tempo, você pode ainda fazer toda a parte de processamento de instrumentos acústicos e vias de fones para a banda com o seu próprio setup, sem levar mesas e outras coisas que não cabem no porta-malas do carro. 

É uma maneira de adequar os produtos a sua realidade.

É muito mais barato inclusive investir em um teclado controlador e usar uma porta midi adicional para tocar outro timbre do Reason simultaneamente do que comprar outro teclado convencional.

Com o Live é a mesma coisa.

Com o Pro Tools é a mesma coisa.

Com o Cubase é a mesma coisa.

E não se esqueça que ainda têm as versões limitadas dos softwares, como o Cubase LE 4 que vem com algumas interfaces de áudio, e que serve para tudo isso também e muito bem. 

Vamos ver agora como montar um setup para tocar ao vivo com o Reason. Você vai precisar de um computador, o Reason, uma interface de áudio e um teclado controlador de preferência com knobs e botões.

Normalmente neste cenário as duas atividades mais importantes são: mudar de timbre e mudar de instrumento - Mudar de timbre é mudar o patch de um mesmo instrumento e mudar de instrumento e tocar outro módulo do Reason. Para fazer isso você deverá programar dois botões da superfície de controle do teclado para mudar de preset e dois outros para mudar a seleção de periféricos. Se o seu teclado não tiver nenhum botão você pode usar quatro teclas do teclado mesmo, tipo as 4 primeiras. Vamos ver como fazer isso.

Estando tudo instalado e configurado comece com um rack vazio.

No menu Options clique na opção Additional Remote Overrides e procure a opção Select Prev Patch for Target Device. [FIGURA 1]

Figura 1

Selecione-a e clique em Edit... Ligue a opção Learn From Control Surface Input Activity e aperte um botão em sua superfície de controle. [FIGURA 2]

Figura 2

Pronto, este botão agora vai selecionar o preset anterior que estiver na lista de presets do instrumento do canal selecionado. Faça o mesmo procedimento para as opções Select Next Patch for Target Device (Selecione o próximo preset do periférico selecionado), Target Previous Track (Selecione o canal anterior) e Target Next Track (Selecione o próximo canal). Se a sua superfície de controle tiver knobs com curso infinito (desses que viram sem parar), você pode usar a opção Select Patch for Target Device(Delta) para selecionar canais, girando-o para frente ou para trás.

Agora será necessário criar uma lista com os presets que você ira usar para cada instrumento. Crie o primeiro utilizando o comando Create Instrument do menu Create. Na janela Patch Browser clique no botão New Favorite List e crie uma nova lista de presets preferenciais que habitará a caixa Favorites, neste exemplo criei uma que se chama Show. [FIGURA 3] 

Figura 3

Agora procure os presets que você gosta e arraste-os para o nome da lista favorita que você criou. Conforme você seleciona os presets você pode testá-los tocando. [FIGURA 4]

Figura 4

Quando tiver terminado clique em Cancel.

O Rack continuará vazio. Agora para que cada módulo enchergue apenas os presets respectivos de seu módulo, crie os periféricos que irão tocar os presets que você escolheu simplesmente clicando com o botão direito sobre o rack e escolhendo a opção "periférico", exemplo NN-XT Advanced Sampler. Muito provavelmente ele virá com o som default, agora clique no botão browser do periférico para abrir um preset, selecione a sua lista e selecione um dos presets.

Agora quando você apertar o botão para mudar de preset somente os específicos desse módulo serão selecionados.

[FIGURA 5]

Figura 5

Se você não fizer dessa forma e preferir clicar Ok em vez de Cancel toda vez que você mudar de preset o Reason irá mudar de módulo também. Derrepente é uma outra maneira de trabalhar, veja qual é a que melhor te atende.

Termine de popular o seu rack e use os botões para alternar entre a seleção de canais e mudar presets.

Dica: Se você precisa que um preset fique soando enquanto seleciona outro é melhor usar um novo periférico e alternar canais, pois ao mudar de preset o som pára.

Esta é uma maneira de ter um teclado muito versátil sem desembolsar muito dinheiro e o melhor ainda é que dá para fazer um monte de coisas que o teclado convencional não poderá fazer.